domingo, 25 de setembro de 2011

Escola Arvoredo - Itaberaba

Algumas coisas me trazem uma alegria especial. Desde há muito tempo, dar aulas. Recebi uma proposta: montar uma proposta pedagógica para a Escola Arvoredo, situada em Itaberaba. Ciclos: Infantil (3 a 6 anos), Fundamental I (7 a 10 anos), Fundamental II (11 a 14 anos).

De vez em quando vou postar alguma coisa por aqui para dizer como estamos indo, os progressos dos alunos, a estrutura geral, o encontro - dos mais esperados - com os professores de lá, com quem quero aprender, com quem quero compartilhar o conceito de guerrilha no cinema, conceito que cada vez aprecio mais.

Agora, de volta ao planejamento.

"10 CENTAVOS " SELECIONADO EM PARIS!

O primeiro curta-metragem de Cesar Fernando de Oliveira, "10 Centavos", acaba de ser selecionado pelo Festival Internacional Cinema e Direitos Humanos realizado pela Amnesty International em Paris. O festival, que acontece desde 2010, tem como objetivo mostrar as interações entre as produções cinematograficas e o tema dos direitos humanos. Através de um processo seletivo muito exigente, o festival valoriza especialmente os curtas-metragens, que são objeto de debate e eventos relacionados aos temas dos filmes. Na sua edição de 2010, estive presente na projeção dos curtas-metragens em competição. Fiquei impressionada com a qualidade dos filmes exibidos, assim como a diversidade, pois eram produções de muitos países. A seleção é feita entre mais de 150 filmes enviados de todas as partes do mundo! Na edição de 2010 somente dez filmes foram selecionados. "10 Centavos" é um filme sublime, generoso e forte, que nos conquista pela beleza transmitida dentro de um contexto social tão complexo e triste. Parabéns por mais essa vitoria! Vamos torcer para que ele seja premiado. Nos vemos em Paris!

quarta-feira, 24 de março de 2010

Que o fim dure para sempre

Algumas pessoas não gostam de chegar ao fim, porque em algo se assemelha com a morte. Mas muitas vezes é o início: o fim de uma etapa é o início de outra. Como este blog se presta a discutir questões de cinema, eu não vou discutir aqui questões ligadas à reencarnação, mas questões às etapas.


Antes, porém, quero discutir duas acepções para o termo "fim". Uma dessas acepções é o sentido de término, de impossibilidade de  continuidade. Essa é a acepção mais comum, é o sentido mais geral e que tanto medo acomete as pessoas - ao menos no tocante ao aspecto existencial. Em outros aspectos, parece menos atemorizador e às vezes até mesmo é um alívio, chegar ao fim.


A outra acepção da palavra fim é a de finalidade. É a esta que quero me ater aqui. Quando escrevi Dez Centavos, tive uma alegria grande quando cheguei ao final, pois, na minha avaliação, cheguei ao objetivo que me propus e com antecedência tinha avisado a Ive, minha continuísta: "Quero escrever um roteiro de cunho social, sem ser panfletário". Recebi o desafio: "Quero ver".


Pronto. Viu.


E aí? O roteiro precisava sair do papel - pra isso ele existe: sair do papel, desaparecer e, assim, passar a existir - e encontrou o inestimável apoio da Braskem, em um processo de seleção pública. Iniciava-se uma outra etapa, agora já sob a regência de César. O bom maestro fez bem o seu papel e realizou um filme com tanta beleza e força que o inevitável aconteceu: foi premiado em vários festivais.


Parecia o fim (final) da carreira do filme. Para mim, jamais foi o fim (finalidade) do roteiro e do filme. Receber R$ 100.000,00, para produzir um curta cujo título é Dez Centavos e aborda a sobrevivência de um menino de rua, não pode se fechar nos espaços de cinema, nos espaços de festivais, nos espaços das mostras.


Recentemente, recebi a notícia de que os direitos do filme teriam sido comprados pelo Ministério da Educação para serem exibidos, durante três anos, em escolas públicas, onde, lamentavelmente, estudam crianças que nas suas horas vagas trabalham como guardadores de veículos, flanelinhas,...


Para mim, parece que agora o filme chegou ao seu fim: atingiu o público alvo que carece de se ver nas telas de cinema, que carece de se ver como pessoa digna de registro, que carece de se olhar com a sua condição e entender que alguma coisa está fora da ordem.


Espero que o fim dure para sempre.



sábado, 29 de dezembro de 2007

Qual o valor do prêmio?

Que alegria de fim de ano. "Dez Centavos", filme do baiano César Fernando de Oliveira, foi premiado no festival de Bilbao, na Espanha. Isso é um motivo de alegria para todos: para não falar do diretor, do elenco, do roteirista e do produtor, vou me referir aos que quase nunca aparecem.
Vou me referir à equipe que fica por trás das câmeras e que desaparecem por entre os créditos, aquelas letrinhas que sobem no final, e que, ao final, já não tem mais o operador presente diante da tela. Um grupo de pessoas que aparecem, se empenham por propósitos artísticos, financeiros, profissionais, e que se decicam para ver um projeto ser realizado da melhor maneira possível. Pessoas que se conhecem e passam a viver uma paixão de duração certa, mas que vai perpetuar-se em cada vez que o filme for assistido e multiplicado por cada par de olhos que o virem.
Vou me referir à Braskem, patrocinadora do fomento para a produção, através do qual o roteiro foi selecionado, cujo apoio foi de incontestável valor para a realização desse filme, que tem uma responsabilidade tão grande quanto a responsabilidade social da empresa, que mantém há alguns anos esse edital de apoio a artes na Bahia.
Mas para que cada um que se envolveu no processo de produção do filme, o valor do prêmio pode ser variável: o primeiro prêmio, mais um prêmio, possibilidade de novas contratações, convicção da profissão escolhida, enfim.
Mas há algo nesse prêmio que é comum a todos, porque é inerente ao tipo de prêmio. Alegria pela premiação todos sentimos, porque é um reconhecimento da obra. Mas este não é qualquer prêmio. É um prêmio da UNICEF, que trata menos da qualidade técnica do roteiro, direção, fotografia, trilha sonora,...e fala muito mais da responsabilidade que a obra traz no seu bojo, do sentimento que o filme traz, através do qual o público se vincula.
Se o roteiro é bom, isso é um elemento que subjaz ao que mais importa - ou deve importar - em uma obra de arte: a sua importância diante da grande escola que é o mundo, diante do respeito com o qual a Vida nos trata e nos prepara para olhar a vida.
Feliz 2007. Que em 2008 possamos ter essa mesma felicidade. Não me refiro à felicidade de receber um prêmio, senão à felicidade de sermos responsáveis e cuidadosos com as oportunidades de realizar o nosso trabalho.



quinta-feira, 26 de julho de 2007

Do cálculo de conversão da moeda cinematográfica

jorge me falouDesde pequeno sempre tive sonhos que eram interrompidos. Como lia muitas histórias em quadrinhos sempre sonhava que eu era algum dos personagens. O salto com a pose do Tio Patinhas mergulhando entre as moedas sempre me causava medo, porque acho que deve ser doloroso mergulhar entre as moedas - não pela solidão: pela dor física mesmo.
Sonhava também que era o Gastão, aquele sortudo que via possibilidades em todas coisas que encontrava pelo caminho: um trevo de quatro folhas, uma estrela cadente, uma moedinha de R$ 0,10. Quando eu encarnava esse personagem nos meus sonhos era sempre muito bom e eu não queria que o sonho terminasse. Quanto menos eu queria acordar, mais eu saía do sonho. Quanto mais eu me aproximava da moedinha, mais angústia me dava, proque eu sabia que iria acordar e a moeda... tão sem valor...apenas dez centavos...ia ficar sempre para, talvez, o próximo sonho...

O tema do sonho se tornou objeto de estudo para mim: li Sete Noites, de Borges; li alguma coisa de Freud, assisti a Waking Life. Os anos se passaram e, na tentativa de aprisionar a idéia, decidi escrever um pouco sobre esse sonho: o desespero a tentativa de alcançar aqueles R$ 0,10, tão sem valor... E escrevi um roteiro. O título: Dez Centavos. Uma tetantiva de começar a sonhar a partir desse ponto.
Por mais que o roteiro fosse baseado em um sonho, o roteiro é uma idéia estuturada para virar um filme. E, como todas as coisas, seguiu seu caminho: foi selecionado no Prêmio Braskem, para receber fomento para a produção: R$ 100.000,oo!! O que para todos os roteiristas iniciantes seria um sonho, para mim foi mais um tormento. O de não atingir a moeda de Dez Centavos: qual a importância de se ganhar cem mil reais para se fazer um filme cujo título é Dez Centavos e cuja trama central gira em torno de um menino de rua que toma conta de carros? Não seria melhor proporcionar um destino melhor para essa verba, tão pública quanto as ruas e quanto os meninos de rua?
A discussão estava fora de questão: o roteiro foi premiado e a produtora Santo Forte, ajudou ao diretor César Fernandes a produzir o filme e finalizá-lo em 35mm.
Dia 24 de julho saí do cinema tomado pela beleza do filme, muito mais bonito do que os meus sonhos, mas com a mesma angústia: o protagonista do filme tampouco consegue os R$ 0,10... tão sem valor...
Saí do cinema, parabenizei o diretor e segui o meu caminho tentando entender - ou sonhar em entender - como esses R$ 100.000,oo poderiam melhorar a angústia de quem- não em sonho, mas na realidade dura e cruel - vive em busca de conseguir R$ 0,10 ao longo do dia. São 1.000.000 de moedas de 10 centavos. Não, não valia a pena tentar calcular matematicamente. Nem de qualquer outro modo que não seja com o sentimento da esperança. A esperança de que o roteiro seja, um dia, apenas uma ficção tão distante que não guarde nada de verossimilhança. A esperança de que o protagonista do sonho, do filme - tão real...! - encerre um dia a sua busca por alcançar os dez centavos para a sua sobrevivência ao longo de um dia.
Os elogios ao filme vieram: de ordem técnica, artística, empresarial, de pompas e gala. Mas houve um comentário que me fez entender o cálculo real e a conversão de R$ 0,10 em R$ 100.000. E destes num valor que se eleveria à infinita potência em busca do amor pelo homem, tão homem quanto o que ama.
Um aluno de 16 anos me disse que gostou muito do filme e que nunca mais conseguiu olhar para R$ 0,10 do mesmo jeito. O comentário valeu os R$ 100.000,00.
Que o filme siga seu caminho; que seja visto, revisto, admirado pela sua beleza, técnica, narrativa, mas, sobretudo, que seja revelador da angústia de quem olha para os R$ 0,10 centavos, tão inacessíveis.
Deixo aqui um trecho de João Cabral, poeta que também sonhou em que a moeda inatingível fosse alcançada.
".........
O que vive choca,
tem dentes, arestas, é espesso.
O que vive é espesso
como um cão, um homem,
como aquele rio.
Como todo o real
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
Como uma maçã
é espessa.
Como um cachorro
é mais espesso do que uma maçã.
Como é mais espesso
o sangue do cachorro
do que o próprio cachorro.
Como é mais espesso
um homem
do que o sangue de um cachorro.
Como é muito mais espesso
o sangue de um homem
do que o sonho de um homem.
Espesso
como uma maçã é espessa.
Como uma maçã
é muito mais espessa
se um homem a come
do que se um homem a vê.
Como é ainda muito mais espessa
se não a pode comer
a fome que a vê.
Neto, João Cabral de Melo. O Cão sem Plumas, In Obras Completas , Editora Nova Aguilar

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Qual a distância?

Em algum momento da vida colocaremos em prática alguns dos conhecimentos que aprendemos na escola. Fora o vestibular, minúsculo momento na minha humilde eternidade, nunca soube bem para que eu poderia aplicar a informação que o meu professor de física me ensinou: a distância entre o objeto e a imagem no espelho é o dobro da distância entre o objeto e o espelho.

Nessa época nem poderia supor em me interessar por cinema, nem como platéia e menos ainda como roteirista. Mais de 20 anos após aprender isso, aprendi que qualquer conhecimento será útil, terá seu valor, desde que o ser humano seja colocado no centro da questão, no fim (finalidade) do conhecimento.

Hoje a minha narrativa começa a se configurar de uma maneira mais exata. Talvez as minhas obsessões já tenham me escolhido. São duas: o homem na sociedade e o homem em confronto com a sua própria existência. Relacionamentos individuais de nenhuma espécie me despertam fascínio.

Aqui vou então com a minha questão de ótica. Se o cinema é física, será muito mais ótica. Se o cinema é arte, então, encontrará seu sentido na estética que conduz o homem ao próprio espelho. Se o mal do homem está em ser o lobo do homem, que o cinema seja a sua cura - social e existencial - , fazendo o homem ser espelho do homem.
David Mamet (em Sob Direção de Cinema) sempre faz a pergunta que todo diretor provavelmente se faz: "onde devo colocar a câmera?". Se é arte, não há precisão na sua construção. Mas se é ciência, se é física, se é ótica, então há um lugar preciso para se colocar a câmera.
E é aqui que eu volto ao meu professor de física. É preciso que o espectadorolhe para a tela e se veja. Porque é neste momento em que a fórmula será precisa, será exata ao coração do público: a distância entre o homem e a tela deve ser a metade da distãncia entre o olho humano e o seu reflexo na tela.
O homem há de sentir-se refletido no cinema. Para que se olhe. Para que veja o seu entorno social. Para que saiba que as suas inquietações são mais comuns do que imagina, porque são humanas.
O cinema - arte das mais caras - não pode se dar ao luxo de ser apenas um entretenimento de férias, sem propósitos, para o espectador que aguarda a mulher acabar de fazer as compras no shopping.
O cinema é o meio da distância entre o espectador e o seu reflexo. O cinema é o meio: o início é o homem e o fim é o homem. Onde colocar a câmera, David Mamet? Colocar de frente para o espectador, para que, antes de quaisquer coisas, ele possa ver a si mesmo.

sábado, 2 de junho de 2007

A Guerrilha passou pelo Ralo

O fedor dos guerrilheiros que passam por valas e por esgotos, por dias a fio sem tomar banho, para atingir o seu objetivo, incomoda aos burgueses que estão no comando do sistema e que visam manter a estrutura do capital artístico que gera apenas ilhas de cultura burguesa.
Que alegria! Descer de Serra Maestra, chegar a Hanói e ver o mundo comemorar o meu fedor. Esse fedor de Cheiro do Ralo. É insuportável ver o dinheiro público manter a grupos de pseudo intelectuais que se locupletaram por décadas a fio de um esquema que mereceria uma operação guilhotina.
Fui ver ontem o Cheiro do Ralo e, com alegria, saí do cinema sentindo o cheiro do ralo. Que perfume. O filme? Bom, sim, muito bom mesmo. Odeio essa coisa de lista dos melhores filmes, mas não estará na minha lista dos meus 100 melhores filmes. Certamente na minha lista dos 100 melhores nacionais. Filme que tem importância estética, narrativa, mas, sobretudo, o que me dá alegria vem dos bastidores. Ou melhor: do ralo.
Lendo um jornalzinho (o diminutivo nada tem de pejorativo) promocional do filme, fiquei sabendo que o orçamento inicial do filme, girava em torno de 2,5 milhões, orçamento baixo para um longa metragem. O filme foi feito com R$ 330.000,00!!!!!!!! isso é cinema guerrilha. Um projeto de fazer um filme e o desejo de chegar ao final. E chegar com 20 cópias!!!!!!
"Na cooperativa o filme trabalha literalmente sem receber cachê algum. No nosso caso, muitos são os parceiros do negócio. Todos que, ou são produtores, ou abriram mão do cachê para tornar o filme possível, receberão o retorno financeiro caso o filme tenha sucesso comercial", explica Marcelo Doria, um dos produtores associados do filme. "Este modelo tem sua cota de risco, já que não há garantias de que o filme terá retorno finaceiro. Mas este modelo nos parece mais adequado à realidade do cinema brasileiro, que depende do investimento de terceiros e quase nunca apresenta nenhum risco. Preferimos o risco", acrescenta.
"Chegamos à conclusão de que filmar no chamado esquema de guerrilha seria a única solução para não guardar o projeto na gaveta", atesta Rodrigo Teixeira, também produtor.
Gozo, como Lourenço, sentindo o cheiro do ralo. Gozo, quando divulgo o filme no boca a boca (publicidade guerrilha), gozo, quando vejo um fio de esperança de buscarmos um modelo que seja "mais adequado ao modelo de cinema brasileiro". Gozo quando vejo o cheiro subindo pelo ralo, ao invés de ver o dinehiro descendo por ele.
(Gozo também qaundo vejo 'A IMENSA BUNDA E MAIS NADA', mas isso é outra história.)
Que Lourenço seja o capitalista do cinema brasileiro que vive e deseja apenas o dinheiro, sem se importar com as histórias do povo que precisa do dinheiro, sem se importar com as histórias dos objetos, sem se importar com a mãe, com a nossa pátria, mãe gentil. sem se importar com nada. O louco cineasta capitalista que se isola do mundo e que guarda tudo, para... para nada.
Lourenço veio do ralo! Ao final, foi assassinado e tentou voltar para o ralo. Que morram os cineastas da insdústria da arte, que morra o esquema de produção que não é meu, que não é do Brasil. Que desça pelo ralo não os velhos do cinema, mas os velhacos. Que desçam pelo ralo, para ver se o dinheiro apra de descer.
E que suba pelo ralo o cheiro da guerrilha. O Cheiro do Ralo.

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Roque Araújo, guerrilheiro

Fevereiro de 2005.

Com um roteiro na mão não se faz um filme. Escrevi Cegueira em 2004 e era mais um roteiro na gaveta. Até que Rubão descobriu que a DIMAS tinha equipamentos para emprestar. Bem, fomos lá para ver como é que funcionava.
Um funcionário nos atendeu. Roque Araújo. Eu disse 'um funcionário'?! Sim, como todo guerrilheiro ele sabe que não adianta destruir o sistema: tem que usar o sistema para mudar o sistema. Chegamos lá falando que tínhamos uma idéia na cabeça, mas não tínhamos uma câmera na mão. Ou seja, um bando de pé rapado, sem grana e com pretensão de sobra.
"Mandem o ofício com pelo menos dois emses de antecedência. O equipamento vai emrpestado, mas pelas novas orientações um funcionário da DIMAS tem que ir acompanhando. É a única coisa que vocês têm que pagar. O resto é de graça. Ah! Lâmpadas, fitas, transporte e alimentação também".
O preço que ele deu da sua diária era impossível para guerrilheiros. Ele abaixou o preço para 2/3 do valor inicial. Era impossível para guerrilheiros. Baixou para a metade. Impossível ainda. Baixou apra 1/3!!! Apenas 30% do valor!!!!!! Embora ainda fosse impossível, não tive mais coragem de dizer que não tinha dinheiro. Pedi apenas que tentássemos fazer toda a filmagem em 7 dias: 12 seqüências, 11 locações, muitos planos... Ele topou!
Nem por causa do meu roteiro genial, nem pela minha equipe de atores, nem pela equipe técnica. E por que então? Uma das missões mais fortes de um guerrilheiro é preparar novos guerrilheiros, porque o combate não pode parar. Não percebi isso duarante as filmagens. Somente ao final, quando fui pagar o acertado e agradeci pela atitude dele - e de Ratinho, seu fiel escudeiro, pessoa com experiências em tudo de audiovisual: propaganda, institucional, cinema, TV e, até mesmo, 'lustrosas' cinematográficas - e ele me disse que queria mesmo era "formar mais gente com vontade de trabalhar com o cinema".
A minha decisão de largar a Faculdade de Cinema, da FTC, se deu pelo fato de que não quero ter um diploma de cinema. Não sou um teórico de guerrilha: sou guerrilheiro! mas certamente precisava de alguém que me ensinasse a comandar, que me ensinasse a atirar, que m ensinasse a apontar com mira precisa. Como Tirofijo, eu precisava de um Che. Quantas pessoas têm a oportunidade de ter como professor o cinegrafista de Glauber Rocha? Eu tive! E tive mais, bem mais que isso. Tive a experiência de conhecer a prática de não 'perder a ternura jamais'.
Obrigado, Roque, por me ensinar os caminhos. Obrigado, Laila Carneiro, melhor leitora dos meus textos. Obrigado, Rubão, guerrilheiro por natureza, sem o qual a logística da guerrilha não teria funcionado. Obrigado, Saulo, 'para todas as coisas'.Obrigado, Ive, Le Continuist, amável sempre, sincera sempre, ariana e vocacionada para os detalhes que me passam em branco. E, sobretudo, Ive, obrigado por me permitir pensar sobre Roque Araújo, pessoa que me fez - e faz - acreditar no cinema, não como meio de sobrevivência, mas como arte e forma de exercício da essência humana.

terça-feira, 29 de maio de 2007

Uma ajudinha, pelo amor de Deus

Como sempre, cheguei ao cinema um pouco mais cedo. Era fim de tade e a sessão começaria às 18h30. Estacionei o carro e, como em todas as cidades grandes da América Latina, apareceu um desses garotos gentis que ficam tomando conta do carro da gente enquanto vamos para os bares, restaurantes, cinemas...
- Tio, posso olhar seu carro?
Expliquei para meu sobrinho gentil que estava sem dinheiro trocado, mas que na volta eu daria. Ele saiu aborrecido, triste mesmo...mas não havia o que fazer. Não naquele momento: só tinha uma nota de R$ 50,00.
Desci a escada do cinema, comprei meu ingresso e fui tomar um café - último beijo antes do filme começar. Na mesa ao lado, havia um casal de namorados aguardando a sessão. A conversa entre eles me chamou a atenção, primeiro, pelo tema: falavam do meu sobrinho gentil; depois pela forma como se referiam ao garoto; e, finalmente, pelo diálogo em si.
- Pra menino que fica tomando conta de carro, eu não dou dinheiro - disse o mais alto.
- Nem eu - o de óculos concordou.
Achei que a conversa tinha terminado por aí, porque não há nada mais triste do que pessoas que se prolongam em conversas sobre assuntos complexos sem colocar um porém sequer. Coloquei as habituais três colheres de açúcar no expresso.
- Que garantia ele poderia me dar de que o carro ainda estará lá?
Continuou desafiando qualquer resquício de inteligência que passasse nas proximidades. Tomei o café.
- Imagine que outro dia eu cheguei ao cinema e esse moreninho que estava lá na rua agora, pediu dinheiro para uma moça. Ela deu. Eu desci, a moça desceu e o moleque desceu atrás. Entrou na fila e comprou o ingresso. Imagine! Qua absurdo! Pedir dinheiro para ir ao cinema.
Tomei o café e deixei a mesa. Fui ao guichê e comprei outro bilhete. Ainda faltavam uns 20 minutos para a sessão começar. Subi a escada e fui para a rua procurar o menino. Não estava próximo a meu carro. Já era noite. Vi meu sobrinho (nosso sobrinho) do outro lado da rua, uns 200 metros distantes de onde eu estava. Atravessei e me dirigi ao local onde ele estava. Um casal vinha pelo passeio. Meu sobrinho se afastou do carro, levantou a camisa. O casal vinha em sentido contrário ao meu.
- Ei!! Tio!! - eu gritei. Os tios constumam usar de reciprocidade no tratamento com os sobrinhos.
Ele se virou. Estava contando o dinheiro que estava dentro de um saco plástico na cintura. O casal passou por nós.
- Toma. Trouxe um ingresso pra você.
- Pô! Valeu! - agradeceu sem desviar o olho do ingresso. Mas esse eu já assisti. Disse devolvendo o ingresso.
-Ah é? E o que você achou? - testei a veracidade da informação.
- É assim: parece engraçado, mas eu não ri. Parece que é verdade, mas não é.
O filme era Ó Paí, Ó. Não pude contra-argumentar: ainda não tinha visto o filme e, convenhamos, quem sou eu para falar de realidade com meu sobrinho gentil? Fui saindo devagar de volta ao cinema.
- E o ingresso? ele perguntou, enquanto guardava o dinheiro contado.
- Vou ver se troco para alguma sessão de amanhã.
- Mas só tem Ó Paí, Ó. E você não vai ver duas vezes. Se você quiser, eu tenho um amigo...Ô, Fulô!!!
Apareceram mais dois sobrinhos. Quantos sobrinhos tempo por aí.
- É que o moço tem um ingresso que ele não vai usar.
Mas eu só tinha um e... . Não. Eu tinha dois. Entreguei os ingressos e eles saíram correndo sem nem agradecer: a sessão já ia começar. Dei as costas e fui para o carro. Quando fechei a porta do carro, o meu sobrinho bateu no vidro. Agora eu já tinha dinheiro trocado. Dei R$ 0,50. Ele agradeceu. Eu também. Fui para casa torcendo que os meninos sentassem em um lugar bem distante daquele casal de namorados para não se contaminarem de ficção.

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Sob os Afagos da Chuva

Salvo em um texto de ficção surreal, a ninguém é dado o direito de escolher os pais. Menos ainda os seus avós. Pois bem, sou a exceção que confirma a regra: eu escolhi meu avô. Não pude escolher os quatro avós e nem os pais. Mas, ao menos um dos meus avós eu escolhi.
Uma tarde fui ao cinema. Sozinho, caminhei sem saber exatamente o que estava indo ver: nunca ouvira falar do filme ou do seu diretor. Caminhei sozinho desviando de toda a gente solitária e de um tempo que se afirmava em indicar o inverno. Acabara de ler Névoa, de Miguel de Unamuno, e andava com um guarda-chuva fechado, pendurado no braço. "La función más noble de los objetos es la de ser contemplados."
Cheguei à bilheteria da Sala Walter da Silveira e lá encontrei o cinema vazio. Não me admirei, mas achei que platéia já tivesse entrado. Paguei o ingresso - menos do que valeria aquela tarde: esse é o tipo de coisa que só acontece aos que se sentem órfãos no meio da multidão que anda, sem saber, a 24 fotos por segundo.
Entrei na antesala do cinema. Estava quase vazia. Havia apenas um senhor que lia um livro, esperando o tempo do filme chegar, esperando o tempo da vida passar. Vestia um paletó cinza, como as horas daquele dia, como os dias daquela vida. Diante dele, havia uma pequena mesa onde estava um xícara já vazia e um guarda-chuva fechado. Não como qualquer guarda-chuva: como o meu guarda chuva. Já não me sentia sozinho na sala.

Pedi um café. Na Piedade, a igreja tocava os sinos anunciando a Hora do Angelus. Nem o guarda-chuva, nem o senhor estavam mais na mesa. Apenas a xícara vazia. Tomei o café.

Entrei na sala vazia. As luzes, ainda acesas, pareciam emoldurar o silêncio. Sentei o mais centralizado possível, em busca do olhar do diretor. As luzes se apagaram e eu me movimentei procurando o senhor do saguão, do café, do livro, do guarda-chuva. Não estava.
O filme começou. Chuva, curta metragem holandês, de 14 minutos. Se o cinema se utiliza de todas as artes para se expressar, este filme usou aquilo de que nenhuma arte pode prescindir: poesia. Fim. Os créditos: direção de Joris Ivens. Ainda tomado pelo ritmo do filme, permaneci sentado na poltrona, lembrando do guarda-chuva que se abre, enquanto a janela se fecha; imaginando as decisões de um produtor em apoiar a que um diretor filmasse a chuva.
As luzes se acenderam. Levantei e fui saindo. Passei ao lado da sala onde fica o projetor. Na parede, estava um guarda-chuva, solenemente colocado, como a espada de um general. O operador do cinematógrafo era aquele senhor do saguão. Levantou o olhar que vinha acompanhado de um sorriso que esperava um elogio. Cumprimentou com um gesto com a cabeça, enquanto mexia na película, como um alfaiate que prepara o vestido da própria noiva. Acenei com a cabeça, mas não disse nada. Palavras são dispensáveis para os que carregam os guarda-chuvas fechados.

Na porta de saída, deparei-me com uma chuva torrencial. Vendo o filme, observei a vida. Percebi que tinha esquecido o guarda-chuva na sala do cinema. Voltei. As luzes estavam apagadas. Na tela, Chuva. Fui até a cadeira onde eu estava e peguei o guarda-chuva. Na fila da frente, na cadeira central, estava o operador. Saí silenciosamente.

Por alguns segundos, tive a sensação de que o senhor que estava assitindo ao filme, era o Joris Ivens. Joris Ivens que dirigiu o filme, que projetou o filme, que exibiu o filme, agora assistia ao filme. Por alguns segundos, tive a sensação de que o senhor que estava assitindo ao filme, era o Joris Ivens. Depois tive certeza.

Parado na porta da rua, via a água da chuva escorrer pelas escadas do cinema. Saí sem abrir o guarda-chuva. Nunca me senti tão protegido e tão forte,como nesse momento em que pude escolher Joris Ivens como meu avô.

segunda-feira, 30 de abril de 2007

Ainda que não haja ninguém!

"No final de Luz de Inverno vemos um padre que quase perdeu a fé celebrando uma missa em sua igreja completamnete vazia. ... 'Sim, Bergman quer nos dizer que os espectadores no mundo inteiro estão se desligando do cinema, mas acha que devemos continuar mesmo assim a fazer filmes ... ainda que não haja ninguém no cinema'." (François Truffaut, em O Prazer dos Olhos. Escritos sobre Cinema)


Talvez só exista uma coisa mais triste e desoladora que um filme iluminando a sala escura do cinema deserto: um cinema deserto sem, ao menos, o filme iluminando a sala escura.
Fazer um filme ou deixar de fazê-lo não pode estar ligado aos aspectos - indiscutivelmente importantes - da exibição. Primeiro quero analisar o indiscutivelmente importante. A arte não pode ser feita para as gavetas. A arte quer se mostrar ao mundo e, mais que isso, tem que se mostrar ao mundo. Porque a arte só existe enquanto elemento de confronto com o mundo, só existe enquanto elemento de contraste estético, de denúncia social, de esperança. de informação, de educação.
Sérgio Machado (Onde A Terra Acaba, 2002) disse em Cannes certa vez sobre a importância de se fazer um filme em um país latino americano:

"Se eu não falar do meu mundo, quem irá falar? Os que não o conhecem ou os que querem que ele seja conhecido de uma maneira menor, de uma maneira que atenda os seus interesses."
O filme precisa ser visto, para ser degustado, para ser criticado, para ser debatido. Fazer um filme e deixá-lo na gaveta é como criar o mundo e esquecer de dar o sopro, que faz que o homem deixe se ser barro e se torne um personagem da história da eternidade.
Entretanto, fazer um filme não pode passar pela questão da exibição, porque já não cabe, após 100 anos, a discussão retórica sobre cinema: arte ou indústria? São os dois, que devem conviver e se respeitar, ambos agindo como escritor e editor, como compositor e produtor musical. Todas as artes passam, em algum momento, de alguma forma, pela indústria e ou pelo comércio.
O cinema é arte de roteirista, de diretor de fotografia, de diretor, de crítico, de espectador. O cinema é indústria de produtor, de produtor executivo, de financiador (que muitas vezes é o governo).
Se os últimos têm motivos para se preocupar com as salas vazias, os primeiros também o têm. Porque a relação é retroalimentativa no seu conjunto. Daí a deixar de fazer filmes porque as salas estão vazias é um equívoco sem tamanho. Que os primeiros - dos produtores executivos ao governo - façam a sua parte, através de acordos com salas de exibição, de uma distribuição mais eficiente, de estímulos a novas salas de exibição, de novos formatos de exibição digital de custo bem mais barato, de espaços comerciais e ações inteligentes que sabotem a pirataria, de cinemas volantes, de uma infinidade de esquemas que permitam ao cinema ser visto.
Rilke dizia que 'só se deve escrever, quando não se pode, de todo, deixar de escrever'. Escrever um roteiro, dirigir um filme tem que ser uma necessidade imperativa, porque se não for assim, o filme não terá a força de uma obra de arte, de arte que quer ser vista, de arte que tem que ser vista.
O cinema não pode parar porque cinema é luz, mas não a luz no fim do túnel, que vem na direção oposta, mas sim a luz que ilumina o nosso caminho, luz que vem do alto, luz que se projeta na velocidade do olhar do homem e que o conduz para o mundo de sonhos.